Arte na quarentena
Pouco mais de um mês se passou desde que a OMS declarou no dia 11 de março de 2020 o surto de pandemia de COVID-19. Desde então vivemos um dos momentos mais peculiares e intensos da história recente. Ainda que muito se especule sobre o que virá depois que o surto for controlado, já se sabe que haverá um antes e um depois em questões ambientais, econômicas e políticas. É muito provável que não voltemos à “normalidade” e que, muito daquilo que estamos acostumados em nossa vida diária, sofra mudanças radicais. Isso inclui nossos hábitos culturais, nosso trabalho e nossas relações sociais.
O setor cultural é um dos mais afetados pelo fenômeno e se viu forçado a buscar formas de se reinventar nesse contexto. Foi assim que começaram a surgir diversas iniciativas digitais de caráter institucional e independente.
Shakespeare escreveu Rei Lear durante a quarentena na Peste Bubônica. A frase que pipocou quase em tom de cobrança nas redes sociais nas primeiras semanas da quarentena já parece ter perdido a sua força.
A maioria de nós estava ainda tentando absorver a informação, assustados ou anestesiados demais para ser produtivos. Os tempos são outros. Para bem ou para mal, vivemos uma pandemia com uma tecnologia que nos permite estar constantemente em contato com os outros e com acesso à uma enxurrada de dados e opiniões (razoáveis e descabidas) sobre o momento em que nos encontramos.
Perguntamos no Instagram da Piscina com tudo isso estava afetando a rotina e a criação das artistas e as respostas foram variadas:
Depois de um mês de quarentena percebemos cada dia mais a necessidade de reagir e encontrar formas de produzir e difundir arte em meio a essa “nova normalidade” que se impõe.
Clara Mazini, Barbara Scarambone, Camille Valbusa, Priscilla Menezes, Alice Yura e Camila Fontenele são algumas das artistas que têm produzido e divulgado em seus perfis do Instagram trabalhos feitos especificamente dentro do atual contexto de confinamento e que serão abordadas em uma nova sessão aqui do nosso blog: Arte na quarentena.
Além dessas iniciativas individuais, destacamos também projetos que tem como objetivo reunir e divulgar processos de criação nesse momento, criando uma rede de intercambio em uma tentativa de vencer o isolamento e fortalecer a produção artística.
Um deles é o Projeto DUNA, criado pelas artistas Bruna Castro e Natasha Padilha, que propõe o acompanhamento e o compartilhamento de trabalhos inéditos e da rotina criativa de cinco artistas emergentes por ciclo. Ao longo de 15 dias cada artista ocupará a plataforma por três dias e também poderá optar por realizar uma apresentação “ao vivo.”
A cada ciclo as participantes se conhecerão e poderão além de trocar experiências e referências, compartilhar feedbacks a respeito dos trabalhos. Haverá também um convidado especial por ciclo que acompanhará as atividades do DUNA e posteriormente fará apontamentos críticos. Nesse primeiro ciclo, o acompanhamento será realizado por uma das curadoras e co-fundadoras da Piscina, Ana Luiza Fortes.
Outro projeto que surgiu nessa perspectiva é o PUERPERIUM, iniciativa da curadora Bianca Bernardo e da artista Luisa Callegari. A ideia partiu da semelhança entre a quarentena imposta pela pandemia e o período do puerpério, nome dado à fase do pós-parto, no qual a mulher experimenta modificações do seu corpo e transformações psíquicas. Tomando como ponto de partida esta correspondência, o projeto busca de respostas estéticas/poéticas para a seguinte questão: a partir da conceituação de que estamos passando por um PUERPÉRIO como sociedade, como você produz suas estratégias de maternagem?
Ao lado de Amanda Abi Khalil e Cherine Karam, Bianca Bernardo criou também a iniciativa covideo19, que durante o período de quarentena apresenta todos os dias uma vídeoarte de até 19 minutos de duração, que fica disponível na plataforma durante 15 dias. Clique aqui para ver a lista completa de todos os vídeos que já estiveram em exibição.
É interessante também notar os meios e recursos utilizados por grupos que existiam antes da quarentena para darem continuidade à suas atividades de trocas e pesquisas, como é o caso do grupo de orientação de projetos em cerâmica, do Hermes Artes Visuais, liderado pela artista Brisa Noronha.
Os encontros virtuais seguem acontecendo semanalmente com exercícios propositivos, discussões a partir de movimentos artisticos ou a partir do trabalho de outros artistas. Segundo Brisa, "tem sido um desafio gratificante reinventar a ideia de um grupo de cerâmica sem os encontros presenciais, sem a argila propriamente dita e outros recursos que tínhamos disponíveis.”
Embora estejamos atravessando um momento extremamente delicado e cujas proporções e desdobramentos só saberemos ao certo daqui a algum tempo, é encorajador saber que artistas e grupos estão resistindo e se fortalecendo através de sua produção e capacidade de formação de redes, transformando um contexto difícil em atos de esperança.