"Girl on Girl - Art and photography in the age of the female gaze", de Charlotte Jansen

Primeiro uma confissão. Comprei o livro Girl on Girl - Art and photography in the age of the female gaze, de Charlotte Jansen, impulsivamente, porque eu tinha um crédito na Amazon que precisava usar. Confirmado o pedido, me veio a leve sensação de que talvez ele fosse só um livro bonito para colocar na minha estante. E de fato. É inegável que ele ficou bonito na minha estante. Porém, fui surpreendida pelos textos sucintos, mas apurados, que acompanham cada um dos perfis das fotógrafas, comentando criticamente como essas imagens exploram questões relacionadas à identidade, feminilidade, sexualidade e feminismo. 

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O livro apresenta o trabalho de 40 fotógrafas contemporâneas de diferentes nacionalidades, etnias e estéticas. Entre elas, a quase-clichê Petra Collins, a ativista sul-africana Zanele Muholi, a chinesa Pixy Liao, a norueguesa Tonje Birkeland e a marroquina Lalla Essaydi. Apesar do claro esforço em contemplar uma diversidade cultural, a maior parte das artistas vive e trabalha nos Estados Unidos e na Europa e não há nenhuma artista latino-americana na lista (faltou a Charlotte dar uma olhadinha na Piscina, rs), o que situa as artistas em um contexto específico de criação e difusão. 

O foco são mulheres que fotografam mulheres, e as retratadas são as próprias artistas, amigas, namoradas e familiares, modelos ou mulheres de determinada idade ou contexto social. Apesar das inúmeras diferenças de abordagem, constantemente demarcadas por Jansen, o que essas fotógrafas possuem em comum é a tentativa de estabelecer uma nova forma de olhar para as mulheres, que possa, em algum nível, contrabalancear a primazia do olhar masculino. 

No século XX, fotógrafas como Cindy Sherman, Diane Arbus, Francesca Woodman, Vivian Meier e Nan Goldin começaram a ser reconhecidas, abrindo caminho para a nova geração que, influenciadas por esses nomes, seguem explorando a fotografia como forma de expressão, em uma era marcada pela proliferação incessante de imagens nos meios digitais. 

Um dos aspectos mais interessantes do livro é o recorte geracional, comentando sobre o trabalho de artistas que nasceram com acesso ao mundo virtual e utilizam a internet como veículo de divulgação e objeto de inspiração para suas criações. Não sem apontar as inúmeras contradições que essas artistas confrontam, ao ver que as suas tentativas de questionar o uso do corpo feminino na publicidade, por exemplo, terminam sendo apropriadas por esse mercado. Mesmo porque, muitas delas trabalham nesse contexto, em paralelo às suas atividades artísticas. 

Ainda sim, a busca por novas formas de representação, empreendidas por mulheres que tomam o controle da produção das suas próprias imagens, apresenta muitos aspectos positivos no sentido de minimizar o desequilíbrio provocado pela construção masculina. Vale ressaltar, que o “olhar feminino” não se refere unicamente a representar de forma mais “verdadeira” os corpos, ideias e experiências das mulheres, mas em ver o mundo de forma diferente. 

O fato de ser uma artista mulher não significa se identificar obrigatoriamente com um discurso feminino ou feminista. Inclusive, muitas das fotógrafas entrevistadas por Jansen não se sentem confortáveis com esse rótulo, que só cumpre a função de restringir os seus trabalhos. 

Uma artista mulher é, antes de tudo, uma artista. E como tal, ela tem a possibilidade de expressar uma infinidade de coisas, como ela vê e cria conexões com o mundo que nos rodeia, um privilégio que os artistas homens tiveram durante séculos. E a beleza de Girl on girl definitivamente não se restringe à minha estante, mas em permitir que vislumbremos algumas dessas infinitas coisas.

Ana Luiza Fortes