Perfil | Camila Fontenele
Depois de acompanhar pelas redes o trabalho da fotógrafa e artista visual Camila Fontenele, a conhecemos pessoalmente na ocasião do I Mergulhos da Piscina, um evento que reuniu artistas, curadoras e coletivos para conversas e para uma exposição. Camila para participou da conversa Atuar em rede – coletivos e plataforma de arte, devido ao seu trabalho frente ao coletivo YVY – Mulheres na Imagem e trabalhos seus também integraram a exposição coletiva Ânima.
Camila Fontenele nasceu em São Paulo, em 1990 e depois de muitos deslocamentos e mudanças, se estabeleceu na cidade de Sorocaba, São Paulo. Na entrevista abaixo, a artista nos conta, dentre outras coisas, sobre sua trajetória, suas principais influências, trabalhos mais marcantes e sobre como têm lidado com o momento de incerteza em que estamos vivendo.
Você pode contar um pouco sobre sua formação e trajetória? Como se deu a escolha de trabalhar como fotógrafa/artista?
Sou graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na Universidade de Sorocaba e pós graduada em Cinema, TV e Vídeo pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Atualmente, estou flertando com o mestrado e participando de uma disciplina na UFScar como aluna especial.
Minha relação com a fotografia e, depois com as artes visuais, foi muito gradativa. Na minha cabeça só era artista quem nascia com dinheiro, então teve momentos que acreditei que nunca conseguiria. Quando tive acesso a minha primeira câmera, coloquei essa prática como algo ligado ao lazer. Em tese foi bom, fui aprendendo de forma muito autodidata e sem expectativas de que isso seria um possivel futuro. Depois de muitos anos sofrendo assédio moral trabalhando na área de publicidade, resolvi me arriscar na vida de freelancer.
Trabalhei como assistente de fotográfas/os, fotografei ensaios, retratos, casamentos, eventos, e etc, em paralelo tinha o inicio do projeto Todos Podem Ser Frida. Demorou para que eu pudesse entender que poderia integrar todas essas práticas, as demandas mais comerciais aos meus trabalhos autorais. Tanto que hoje eu transito de uma forma muito mais relaxada e me enxergo como alguém que está descobrindo a sua multiplicidade.
Meus trabalhos já foram expostos, entre exposições coletivas e individuais, na Casa da Imagem (São Paulo, Brasil), no CC Espaço (São Paulo, Brasil), na Unusual Art Galery (Caserta, Itália), no Espacio Gallery (Londres, Inglaterra), na FERi Feminista Galeri (Budapeste, Hungria), na Universidad de Guanajuato (León, México), na Mutuo Galeria (Barcelona, Espanha), na Roberg Galeria (Sorocaba, São Paulo), etc.
Qual sua pesquisa atual e que trabalhos você tem desenvolvido nos últimos tempos?
Estou fazendo uma pesquisa sobre o território de Sorocaba para a curadoria do Frestas – Trienal de Artes, qual ocorre no Sesc Sorocaba. Também tenho desenvolvido práticas coletivas com a YVY Mulheres da Imagem, iniciativa que faço parte desde 2017. Para além dessas demandas, estou focada na escrita do meu pré projeto de mestrado que tem como foco o corpo gordo, algo que tenho experimentado muito em meu trabalho visual. É o caso da videoperformance “Eu, Baleia”, realizada em 2018 no Rio de Janeiro. Em stand by, aguardando viabilização financeira, tenho a investigação Todo mar é a lágrima de um peixe, um trabalho totalmente focado na minha ancestralidade paterna e na minha negritude, é a partir dele que começo a encarar frente a frente essas questões.
Quais fatos, trabalhos ou experiências mais relevantes/marcantes contribuiram ou afetaram de alguma forma a sua trajetória?
Para além de trabalhos e experiências concretas, acredito que o deslocamento e o atravessamento das coisas visiveis e invisiveis sempre contribuem para aquilo que quero construir na minha trajetória artística. Me vejo como um corpo que viaja entre mundos.
Quais os trabalhos foram mais marcantes?
Dificil escolher, pois cada um cria um marco de crescimento em minha vida. Gosto muito do projeto Todos Podem Ser Frida (2012), pois aprendi a dar vôos mais altos me dedicando à ele (foi o inicio de tudo). Mas, gostaria de destacar a participação da YVY Mulheres da Imagem no Centro de Fotografía de Montevideo (2020), a videoperformance Eu, Baleia (2018) e a pesquisa Todo mar é a lágrima de um peixe (2018 - até o momento).
Quais são suas perspectivas? Como se vê daqui um tempo? Tem algum projeto que deseja realizar mais a longo prazo?
Engraçado, esses dias de quarentena me vi como alguém que gosta de ficar sozinha cuidando da comida, do jardim e de conversa solta com o invisível (eu realmente converso em voz alta com o “invisível”). Sinto que o futuro está em suspensão, mas que ao mesmo tempo posso sentir algum sabor de algo incrível que me faz menos medrosa. Até então tenho lutado para viver em um mundo em que não sei morar, que dói no profundo de quem eu sou. Perceber que a ficção que criei até aqui, como parte de uma vitalidade inventada pode ser mais palpável, me faz feliz.
Meus projetos artísticos são projetos de vida e como uma boa libriana de casa 10 com ascendente em capricórnio, tudo é muito demorado. É como Saturno, quanto mais maduro, melhor. Então, considerando desejos futuros quero continuar me dedicando aos estudos, principalmente acadêmicos, e aos processos de (re)construção das imagens e narrativas. Quero ser mais ousada nas minhas criações.
Que mulheres (artistas, escritoras, familiares e figuras públicas) foram/são influências e fonte de inspiração?
Minhas influências são bem transitórias, não sei se essa seria a palavra certa, mas depende muito do momento. Elas entram e saem conforme vou sentindo os atravessamentos. Com isso, atualmente tenho me conectado muito com a Grada Kilomba, Laura Aguiar, Roxane Gay, Audre Lorde e Stela do Patrocínio.
O que você faz para se sentir motivada em períodos de baixa/desânimo/bloqueio criativo?
Vivemos em uma sociedade que solicita da gente produtividade 24h, nos cobramos muito para lidar com momentos cíclicos. Eu tenho altos e baixos, assim como todo mundo e, para encarar, fico em silêncio e acolho, coloco minha energia e atenção em outros afazeres, até coisa do dia a dia, sabe? Costumo chamar esses momentos de esvaziamento, pois corpo cheio demais não tem espaço para guardar novas possibilidades. É entender a mensagem desse desanimo ou bloqueio, talvez seja o caso de mudar certos movimentos e conversas.
Quais foram os maiores desafios enfrentados na sua trajetória até agora?
No começo, partia muito desse lugar sempre ocupado por homens: a publicidade, a fotografia e as artes. Hoje, acredito que existe uma mudança de posicionamento meu. Então, encontro possibilidades e pessoas para me aliar e abrir caminhos. Ainda tem muitos desafios e negociações, principalmente quando falamos de instituições, lugares que ainda funcionam como carimbo e validação na trajetória artística. Ao mesmo tempo, acredito que buscar práticas mais independentes e de autogestão também seja uma estratégia de ruptura. O campo de mediação.
Como você enxerga seu papel como mulher artista no cenário artístico nacional?
A vontade de fazer o que eu faço, vem do desejo de existir. Pertencer. Então leio o meu papel como quem está aqui para anunciar, tensionar e provocar deslocamento. É como numa frase que li esses dias no instagram “piso duro no chão do mundo tentando ser o que quero, na medida do que posso”.
Qual o seu entendimento sobre a necessidade e importância de se ter iniciativas voltadas exclusivamente às mulheres e outros grupos minoritários?
Entendo que é muito importante estar junto, se encontrar, criar redes de apoio. Atualmente faço parte da iniciativa YVY Mulheres da Imagem, entrei em 2017, e juntas temos tensionado e indagado algumas questões que nos passam despercebidas ou que agora não fazem mais sentido dentro do que acreditamos como coletividade. Essas iniciativas exclusivas são necessárias para que possamos sair do silenciamento, e isso coloco não somente como mulher, mas em outras esferas das dissidências. Por exemplo, neste momento, tem sido muito importante conversar e estar perto de pessoas gordas e racializadas, não só para buscar acolhimento, mas para criar estratégias e práticas radicais quanto ao nosso corpo no mundo.
Em Montevideo, durante a estadia da YVY, tivemos a chance de conhecer um coletivo de resistência afrofeminista, e foi muito importante escutar como as mulheres afrouruguayas se organizam naquele território. Também conhecemos o Archivo de La Memoria Trans, fundado por María Belen Correa, com intuito de proteção, construção e reindivicação da memória trans. Então, além da relevância desses agrupamentos, vejo como potência os encontros e as redes que podemos firmar.