Fotógrafas Brasileiras - Imagem Substantiva, de Yara Schreiber Dines

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

No final de 2021, fiquei muito feliz em receber em casa o livro Fotógrafas Brasileiras - Imagem Substantiva. O livro reúne mais de 60 fotógrafas do século XX e XXI com diferentes olhares e narrativas que representam uma contribuição essencial para cenário cultural do país. A publicação é resultado da pesquisa da antropóloga e curadora Yara Schreiber Dines.

Em suas 256 páginas, a publicação apresenta um panorama inédito da fotografia feminina no Brasil – que se inicia com Gioconda Rizzo (1897–2004), primeira mulher a abrir um estúdio fotográfico na cidade e encerra com a jovem fotógrafa contemporânea Helen Salomão (1995) – e traz um rico repertório de imagens acompanhadas de informações sobre a trajetória de cada fotógrafa, situando essa produção no âmbito da memória, de gênero, da antropologia visual e da história da fotografia.

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

Falar sobre o livro aqui na Piscina pareceu algo muito natural e necessário, mas abordar a publicação apenas de maneira superficial não pareceu suficiente. Assim, aproveitei a oportunidade para entrevistar e conhecer (mesmo que apenas virtualmente) a autora, Yara Schreiber Dines, que é pós-doutora em fotografia ECA-USP, antropóloga e historiadora.

Abaixo, compartilho a entrevista completa com a Yara, que nos conta um pouco sobre sua trajetória, sobre sua perspectiva para a fotografia brasileira daqui para frente e suas principais influências e referências, além de falar um pouco sobre seu curso online, Fotógrafas Brasileiras e o tempo - mulheres artistas e visualidade , que começa agora no dia 03 de abril, no Ateliê Oriente.

Você pode contar um pouco pra gente sobre a sua trajetória e como começou seu interesse por fotografia? E quando foi que você resolveu dedicar sua pesquisa às fotógrafas mulheres? 

Comecei a ter interesse por fotografia desde quando era bem jovem, pois já frequentava exposições. Sou Antropóloga e Historiadora e desde o início dos anos 1990, comecei a trabalhar com fotografia e pesquisa iconográfica e um pouco (mais tarde) para frente  com leitura, análise e interpretação de imagem. O meu pós-doutorado na ECA/USP, com o professor doutor Tadeu Chiarelli, foi sobre as fotógrafas Hildegard Rosenthal e Alice Brill, fotógrafas imigrantes da Alemanha para São Paulo. Escrevi um livro a respeito e comecei a ministrar cursos livres desde 2016, pois quase não havia nenhum curso com o recorte de fotografia e gênero. A ideia  era ampliar o leque de visibilidade, valorização e reconhecimento de mulheres fotógrafas, além das poucas iconizadas pela mídia, que são excelentes mas, além dessas, há também  um número bastante expressivo de mulheres fotógrafas com trabalhos de ótima qualidade.. 

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

Você pode contar um pouco sobre sua pesquisa sobre fotógrafas mulheres e sobre como se deu o processo de desenvolvimento do seu livro Fotógrafas Brasileiras – Imagens Substantivas? 

Quando fiz o pós doutorado, me instigou muito o recorte de imagem e gênero, constatando que é um viés rico de pesquisa e ainda pouco trabalhado pela antropologia e história, no Brasil e no exterior. Após ter escrito sobre as duas fotógrafas imigrantes citadas na resposta anterior, percebi a importância em se jogar luz sobre as fotógrafas brasileiras não lembradas pela mídia e que apresentam uma diversidade de olhares e uma produção pujante que merece sere conhecida e lembrada. Neste sentido, elaborei o projeto do livro, buscando contemplar o maior número de fotógrafas do país com uma produção expressiva,  que mereça o seu devido espaço no mercado de arte e na história. O livro é bilíngue, conta com excertos de depoimentos, biografias das fotógrafas, seus retratos e de 4 a 5 fotos de suas trajetórias, além de dois textos analíticos. Em virtude do valor do aporte do patrocinador, não conseguimos cobrir todos os nomes a serem apresentados, o que é uma constante em obras deste tipo, por isso tivemos uma dificuldade grande em fazer a edição dasartistas. Mesmo assim, conseguimos incluir a maioria das fotógrafas brasileiras pretendidas no início do projeto.

Na introdução do seu livro você traça um panorama sobre o que é abordado na publicação. Você menciona que, no início do século XX, as mulheres faziam parte do universo da fotografia somente através dos bastidores e que esse cenário de invisibilidade começa a se alterar a partir dos anos 1930. Você pode contar um pouco sobre porque esse essa condição da mulher começa a se alterar a partir desse momento?
A partir da década de 1920, começam a chegar fotógrafas imigrantes da Europa no país, mas ainda nesse período as fotos eram feitas dentro dos ateliês, sendo realizadas fotos de casamento, de formatura, retratos de bebês e de crianças. Nessa época, mesmo nos ateliês, o espaço da mulher era recluso, sendo que os ateliês na maioria dos casos eram de seus maridos ou pais. Nos anos 1930, Hermínia Borges, do Rio de Janeiro, já fotografava na rua, porém, é com a vinda de Hildegard Rosenthal e Aline Brill, cuja tônica do trabalho era o fotojornalismo e a fotografia documental no espaço urbano, que estas fotógrafas pioneiras passaram a frequentar e registrar a vida social na rua, sendo precursoras d também da fotografia moderna, em São Paulo.

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

Como você vê o cenário atual no campo da fotografia? Você entende que tivemos avanços e um esforço das políticas públicas e instituições no sentido de reparar a invisibilização feminina na fotografia?
Vejo o momento atual na fotografia no Brasil como um período muito fecundo, apesar das agruras existentes neste governo, que não incentiva a cultura. Além de existir diversos tipos de cursos de fotografia espalhados pelo país, com uma melhora da Covid, há também um retorno dos festivais de fotografia, com uma potência muito grande de expor trabalhos, realizar exposições e provocar o debate sobre a democratização do acesso a esta linguagem e produção. Por outro lado, ainda é incipiente as políticas culturais nas instituições artísticas no sentido de criar arquivos de mulheres e de mulheres artistas. Vemos instituições como o MASP, a Pinacoteca, o MAM/SP, e a FIESP realizando exposições sobre mulheres artistas principalmente com foco em pintura, artes gráficas, tapeçaria e também artes visuais. Por outro lado, há poucos anos, o Instituto de Estudos Brasileiros - IEB publicou uma revista problematizando esta questão. O que quero dizer é que ainda há muito a ser feito em relação à guarda, preservação e extroversão de documentos de mulheres artistas e de outras minorias. 


Nesse sentido, existem algumas ações, grupos ou plataformas que trabalham no fortalecimento de mulheres fotógrafas que você gostaria de citar?
Há o trabalho da produtora cultural e curadora Mônica Maia, no site Mulheres Luz, que busca visibilizar mulheres fotógrafas no intuito de trazer equidade para o mercado fotográfico. Há o Coletivo Mulheres Fotógrafas, no Rio de Janeiro, principalmente, que já realizou exposições, palestras e está no Facebook buscando discutir e aprimorar a atuação das mulheres fotógrafas. No Rio, existe também o coletivo Negras (foto) grafias. Há  a atuação de Patrícia Veloso, no Ceará, em sua escola, que busca realizar palestras e cursos, no sentido de incentivar a produção de mulheres fotógrafas.  É importante comentar sobre o livro recém organizado por Fabiene Gama, da UFRGS, e mais duas antropólogas visuais sobre imagem e gênero, com este enfoque, e o de Heloisa Costa e Erika Zerwes sobre mulheres fotógrafas/mulheres fotografadas. Ou seja, há uma atuação viva e publicações relevantes em anos bem recentes a respeito deste recorte no país. 

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

E quando consideramos também as interseccionalidades nesse meio? Como você avalia o cenário da fotografia com relação a outras minorias?
Verifico que, em São Paulo no Rio de Janeiro e na Bahia, há coletivos de fotógrafos nas periferias, buscando expressar por meio da fotografia a sua realidade e o seu cotidiano, por meio de seus olhares, o que considero muito positivo, pois são os seus filtros por meio da fotografia que estão comunicando, ou seja trazem à tona a suas vozes. Não estou a par sobre este movimento em outros estados. Com o maior acesso a diferentes tecnologias e o uso do celular, diferentes grupos e minorias podem  mostrar as suas miradas e cultura com pungência.

Na sua biografia, você cita a sua participação no coletivo Fotógrafos pela Democracia. Você tem histórico de atuação ou tem atuado como fotógrafa?
Eu sou mais curadora, autora e professora de antropologia visual, imagem e gênero, imagem e memória e imagem e cidade do que fotógrafa. Recentemente, fiz dois ensaios fotográficos publicados bem instigantes, um sobre o bloco Ilu Obá de Min, e outro sobre a Holi Party indiana, festa das cores e da semeadura, ambos com um viés da antropologia visual. Espero fazer um novo ensaio fotográfico, em breve. 

Imagem cortesia Lovely House, 2022.

Por fim, gostaríamos de saber quem são as mulheres que te inspiraram e foram referência na sua trajetória (familiares, colegas, artistas, fotógrafas)?
A minha avó Olga Krasilcic, imigrante da Moldávia, foi uma inspiração por ser uma mulher forte, corajosa e determinada. Acho pujante o registro fotográfico documental  de Dorothea Lange, no Farm Security Administration, nos EUA, mas admiro os trabalhos/ensaios de muitas outras fotógrafas de diferentes escolas dos EUA e Europa, no século XX. Há muito o que falar a respeito. 

E existe alguma ação, lançamento ou curso que gostaria de divulgar? 
O curso Fotógrafas Brasileiras e o tempo - mulheres artistas e visualidade está sendo oferecido no Ateliê Oriente, online, instituição do Rio de Janeiro e se inicia no dia 03/04. É uma excelente oportunidade para se conhecer uma diversidade de olhares dessas fotógrafas, com uma perspectiva de gênero, aspectos de sua rica produção e refletir sobre leitura e edição de fotografia. Estão todos convidados!


Fotógrafas Brasileiras - Imagem Substantiva, de Yara Schreiber Dines, foi editado pela Grifo Projetos, realização da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, e contou com o patrocínio de BNP Paribas, apoio do Instituto Moreira Salles e Lei de Incentivo à Cultura.

mulheres artistas, resenhasPaula Plee