Nunca foi sorte – curadoria de Ludimilla Fonseca na Central Galeria

Vista da exposição Nunca foi sorte, com curadoria de Ludimilla Fonseca, Galeria Central, 2022. Foto: Ana Pigosso.

Fomos visitar Nunca foi sorte assim que a mostra abriu na galeria Central, no final de maio deste ano. Fomos inicialmente ver trabalhos de artistas as quais já conhecíamos: Ana Hortides, que participou da nossa primeiríssima exposição, em 2017, e Marta Neves, que integrou a primeira edição do Piscina Paralela, em abril deste ano. Além destas duas artistas, a curadoria de Ludimilla Fonseca, reuniu um conjunto de obras muito coeso, de artistas como: Allan Pinheiro, Fábio Menino, Gabriella Marinho, Gustavo Speridião, Janaína Vieira e Leandra Espirito Santo.

Segundo a curadora, “Todas as obras apresentadas se configuram a partir de questões e formas do aqui-agora, e a maioria delas é inédita. Assim, mais do que um efeito de conjunto, a reunião destes trabalhos produz uma imagem de coletividade. Indagando sobre origem e classe social, trabalho e consumo, casa e corpo, estas/estes artistas assumem a confusão entre artes visuais, comunicação social e cultura material no neoliberalismo.”

Como é da essência da nossa plataforma, iremos destacar aqui os trabalhos das mulheres artistas que integram a mostra, pontuando-os com as notações que a própria curadora escreveu no texto que acompanha a exposição.

Marta Neves, Eduardo da série Não ideia, 2022
banner
160 x 70 cm
Foto: Ana Pigosso.

Já ao descer as escadas em direção ao subsolo do prédio do IAB, onde está instalada a galeria, nos deparamos com um exemplar das já conhecidas faixas de Marta Neves, da série Não-ideia, na qual a artista produz banners com escritos à mão em tom bem humorado e, muitas vezes ácido, sobre narrativas de desejos de mudança não viabilizados por seus protagonistas, incluindo, vez ou outra, comentários a respeito da lógica do sistema de arte.

Marta Neves apresenta também na exposição trabalhos inéditos em que faz uso de lantejoulas e bordado com miçangas, com representações da bandeira nacional e signos populares em que discute temáticas atuais.

Marta Neves
Bandeira mulher e velha, 2022
lantejoulas, tachas de metal e espelhos sobre tecido de algodão
50 x 70 cm
Foto: Ana Pigosso.

Em termos de comunicação, Marta Neves é uma mestra da ironia. A artista já explorava a lógica do meme antes de ele ser um verbete no dicionário. Nestas obras inéditas, ela não discute menos sobre protestos e mais sobre exercícios constantes de resistência. É menos sobre envelhecer e muito mais sobre emburrecer, perder a cor, perder a graça.
— Ludimilla Fonseca

Vista da exposição com obra Construção (2021-2022), de Janaína Vieira em primeiro plano e obras de Marta Neves ao fundo. Foto: Ana Pigosso.

As obras Saudosa Maloca (2022) e Construção (2021-2022), de Janaína Vieira, artista que iniciou sua carreira artística com colagens, apresenta, pela primeira vez, assemblages nas quais a artista – fazendo uso de bloquinhos de madeira, soldadinhos de plástico e outros elementos do universo infantil em contraposição a elementos como uma carteira de trabalho e um cartão de crédito, que são a "base” dessa estrutura –, remete ao cotidiano nas periferias.

Questão sobreposta, a infância na favela também é um tópico fundamental: noções de pertencimento, escalada e visibilidade em concomitância ao crescimento das crianças. Pela primeira vez, Janaína apresenta assemblages, nas quais a escolha de cada objeto carrega a ambivalência entre a liberdade imaginativa da infância e a imposição violenta do controle social.
— Ludimilla Fonseca

Vista da exposição Nunca foi sorte com obras de Ana Hortides, Fabio Menino, Janaína Vieira e Marta Neves, Central Galeria, 2022. Foto: Ana Pigosso.

Dentro do contexto urbano, porém a partir de outra perspectiva, Ana Hortides investiga memórias em torno dos conceitos de casa e da potência presente no ambiente doméstico e íntimo. Os trabalhos presentes na mostra são Caquinhos (capacho), de 2022 e Caquinhos, 2021, ambos da série Casa 15, na qual a artista reproduz manualmente em esculturas o piso de caquinhos que esteve muito presente nas casas brasileiras a partir da década de 50 e compõem imaginário doméstico da época.

Partindo de uma investigação sobre memórias e ausências, Ana Hortides lida com as relações entre casa, corpo e origem. Embrenhando nas e!ruturas, seus novos trabalhos exploram os materiais e as relações sociais que constituem a constução de casas. E, desse modo, o contexto do lar é expandido para o local em que ele se situa: o subúrbio.
— Ludimilla Fonseca

Vista da exposição Nunca foi sorte, com escultura de Gabriella Marinho à frente; e em segundo plano, obras de Gustavo Speridião, Ana Hortides e Fábio Menino. Foto: Ana Pigosso.

A primeira vez que vimos as esculturas de Gabriella Marinho foi na exposição Vazar o Invisível, com curadoria de Camilla Rocha Campos, no Studio Om.art, no Rio de Janeiro, na qual a artista apresentou Barro e Cerâmica (2021). Assim, não demorou para que pudéssemos reconhecer as cerâmicas da artista assim que adentramos o espaço da exposição.

Gabriella Marinho está interessada exatamente naquilo que persiste apesar das sistemáticas tentativas de apagamento. Trabalhando com o barro, ela materializa ancestralidades e investiga questões da memória coletiva conectada ao território.

A artista está atenta àqueles elementos religiosos que escapam da intolerância por estarem enraizados em suas comunidades. Uma resi!ência que é cosmogônica e, portanto, poderosa em escapar dos sofisticados e constantemente renovados mecanismos de catequização e genocídio.
— Ludimilla Fonseca

Leandra Espírito Santo, I love you (2021), 360 (2021) e Distanciamento (2021). Foto: Ana Pigosso.

Fazendo uso de diversos meios e linguagens, Leandra Espirito Santo investiga a relação entre o corpo, comportamento e identidade, e a relação desses com os usos que fazemos das tecnologias. Na série de trabalhos que integram a exposição, a artista explora a relação entre corpo e virtualidade através de símbolos e emojis usados cotidianamente como meio de expressão no meio virtual nas redes sociais.

Corpos automatizados reproduzindo gestos mecânicos são o laboratório de Leandra Espírito Santo. Se, por um lado, sua pesquisa enfatiza, por exemplo, que emojis são reduções icônicas de uma performatividade praticada há décadas, por outro, a provocação está na sugestão de que é a expressão corporal que pode ter sido reduzida aos ícones dos celulares.
— Ludimilla Fonseca

Vista da exposição Nunca foi sorte, com trabalhos de Gabriella Marinho, Ana Hortides, Janaína Vieira, Fábio Menino e Leandra Espirito Santo, Galeria Central, 2022. Foto: Ana Pigosso.

Acesse o site da Central para saber mais.

exposições, resenhasPaula Plee