Dayanita Singh – Dancing with my Camera na Gropius Bau
Dayanita Singh (New Delhi, Março de 1961) é uma fotógrafa que desde os anos 80 revoluciona a apresentação formal de seu trabalho. Com uma individual atualmente em exibição na instituição cultural Gropius Bau, em Berlim – que, por sua vez, merece elogios pela programação impecável capitaneada por Stephanie Rosenthal, curadora desta exposição – a retrospectiva tange as séries mais icônicas da artista, desde o início de sua carreira, quando acompanhava turnês do músico de tabla Zakir Hussain, até a série mais recente, editada durante a pandemia e apresentada pela primeira vez na mostra Dancing with my Camera, que segue em exibição até agosto de 2022.
Logo de cara, é importante reiterar o que significa uma instituição de uma grande capital europeia dedicar-se a se debruçar sobre a obra de uma artista indiana. A imersão total no Oriente, a partir dos olhos de alguém que faz parte daquele contexto, expande os horizontes de quem vê. As infinitas potencialidades de outros modos de viver, que não o materialismo ocidental, sutilmente insuflam os espectadores de esperança e entusiasmo.
Para entender a trajetória de Singh, é preciso compreender a relação com seu mentor, Zakir Hussain: um virtuoso e prestigiado maestro de tabla, cuja obra consta em produções como Apocalipse now e parcerias com George Harrison e Earth, Wind and Fire.
Acompanhando turnês de Hussain durante seis invernos, Dayanita afirma que, com ele, aprendeu a ser artista, observando atentamente a riyaaz (prática rígida) e dhyaan (foco) dos músicos durante os meses de turnê. O foco das fotografias das turnês é a “captura da energia da performance, e as viagens”. Desde o início de sua carreira, portanto, são perceptíveis os interesses pela transitoriedade e o movimento (seja ele físico, mental, ou presente nos corpos nopalco ou no deslocamento terrestre).
Como uma boa fotógrafa que é, Singh captura naturalmente momentos de afeto e intimidade, fotografando reiteradamente amigos e parentes durante anos a fio, levando-nos consigo na jornada que foi e é sua vida.
Porém, é empurrando os limites da fotografia e apropriando-se dela como meio, e não finalidade, onde reside a genialidade de seu trabalho. Dayanita cria museus móveis, módulos portáteis e editáveis: são ao mesmo tempo display e arquivo. A formalização final, que pode ou não ser deslocada da parede, é sempre adaptável ao local de apresentação, trazendo fluidez e um eterno retorno ao processo, sempre que um novo museu passa a ser lar temporário dos “museus” criados pela artista.
Por sua vez, as fotos são chamadas de “foto-arquiteturas”, que podem ser retiradas e levadas embora. Portanto, apesar de formarem um conjunto, cada uma das fotos é imbuída de individualidade, dando riqueza no macro e no micro.
Na mostra são apresentados quatro museus: Museum of Chance, Museum of Tanpura, Museum of Shedding e File Museum. Complementar aos Museus, a artista detém em seu corpo de obra os “livro-objetos” Estes são, de fato, “mini exposições que qualquer um pode ter, exibir e arquivar”. Ao liberar os livros da estante e as fotos da parede, Singh democratiza e expande tanto o ato de exibir, quanto o de colecionar. Singh refere-se a si mesma também como “arquivista”.
O mais impactante é ,sem dúvida, o Museum of Chance. Os módulos misturam fotos da artista com capturas de tela de filmes clássicos, como 8 ½ de Fellini, e excertos de livros icônicos, como o de entrevistas entre Francis Bacon e Michel Archimbaud.
O cruzamento entre fotografias, textos e capturas de tela que já pertencem a um léxico imaginário da cultura pop, cria uma teia de pontes imaginativas entre o espectador e a obra. O que, à primeira vista, gera um estranhamento por se tratar do registro de uma cultura aparentemente distante, encontra um denominador comum por tratar-se, afinal, de algo demasiadamente humano: a transitoriedade do ser.
Museum of Shedding é o único que retrata espaços vazios, em que a arquitetura vira protagonista, num exercício de busca pelo contraste entre luz e sombra, sempre em locações extraordinárias.
O que mais chama atenção é a série dedicada a Geoffrey Bawa, arquiteto do Sri Lanka, responsável pelo Kandalama Hotel, que incorpora a natureza em seu projeto, circunscrito entre montanhas a rochas – similar ao ideal de Niemeyer.
No Guia do Museu Bhavan, (que é o conjunto de museus instalados no museu Vasant Vhar, em Nova Delhi, Índia), encontramos o conjunto de instruções e notas sobre a contínua relação estabelecida entre cada um dos museus tais como: suas viagens independentes para outros museus e a forma labiríntica que podem assumir se apresentados juntos. Em Vasant Vhar, o Museu Bhavan abre na primeira e na segunda lua cheia de cada ano.
Através do seu caos organizado, tensionando a visão e a audição – ao apresentar sua obra quase como uma dança rítmica visual – somos transportados ao Oriente profundo apenas para descobrir que somos muito mais semelhantes do que diferentes, afinal todos dançamos, cantamos, abraçamos, envelhecemos, e finalmente, morreremos.